Você confere agora, no vídeo acima, a entrevista com o Escritor e Roteirista Wagner RMS, autor da série Código 7 Infinidade, no programa de TV Fluxograma!
Direção: Flavio Langoni
Produção: Lívia Pinaud
Apresentação: Marília Tapajóz
Leia também a resenha que publiquei sobre "Se Eu Ficar" no site sobre filmes Infinidade!
"O filme — e o livro — questionam aquele que vê, e que lê, sobre o que é realmente importante na vida. E falam sobre o quão angustiantes são as escolhas que essa mesma vida nos trás, de repente. Como você pode perder, subitamente, tudo aquilo que mais ama, e ainda assim encontrar forças e seguir adiante? Ou será mais certo, apesar de tabus e falsos moralismos contra tal atitude, desistir e partir? Tudo isso do ponto de vista de Mia Hall (Chloë Grace Moretz), uma jovem violoncelista, uma moça como todas as outras moças, única! "
Conheça também:
Fanpage de Código 7 Infinidade!
Curta também a Fanpage do Fluxograma!
O prêmio de Melhor Diretor de Ficção Científica, do Asia Web Wards, é um reconhecimento incrível e muito merecido, Mestre Flávio Langoni! Parabéns! Torço para que o mundo reconheça cada vez mais o teu trabalho tão talentoso, e a paixão criativa e o profissionalismo dos Criativos Brasileiros.Você é, sem dúvida, um dos nossos Grandes Representantes. 😃🇧🇷👏🏼👏🏼👏🏼 ... @asiawebawards Best Science Fiction Director award is an incredible and well-deserved recognition, Master Flávio Langoni! Congratulations! I hope the world increasingly recognizes your so talented work, and the creative passion and professionalism of the Brazilian Creatives. You are undoubtedly one of our Great Representatives. 😃🇧🇷👏🏼👏🏼👏🏼 __________ #outrolado #otherside #awa2019 #bestdirector #novafriburgoparaomundo #webserie #scifi #scifibrasil #FlavioLangoni https://www.instagram.com/p/B6XbjiGj79f/?igshid=e02utiidfdbt
Nomade 7 ganhoooou!!!
🥇MELHOR FICÇÃO CIENTÍFICA!!!🏆
E este autor, Wagner RMS, teve o privilégio de participar da construção do conceito, da infra científica (sem detalhes, pra não entregar a trama, sinto muito) e da confecção dos roteiros. PARABÉNS ao Diretor Flavio Langoni, a Produtora Lívia Pinaud, as nossas Atrizes e Atores Astronômicos, e a toda a equipe Extraordinária!!!
"Nomade 7 continua nos dando alegria e fechou o ano de 2019 trazendo pra casa o maior prêmio que poderíamos conquistar!! MELHOR FICÇÃO CIENTÍFICA!! ❤️🎥🎬👽❤️ Obrigado ASIA WEB AWARDS e toda equipe e elenco que participaram desse projeto!! Parabéns pra todos nós!!" _ Flavio Langoni.
Apareceu primeiro no Instagram
No primeiro livro da série space opera C7i: o começo de um motim, onde humanos se rebelam contra uma mente não humana e quase onisciente, e o encontro com o nosso pior inimigo: um jovem com a mais pura e sincera fé. __________ @fraternidadedeescritores #scifibrasil #fraternidadeescritores #ficçãocientífica #blackfriday #WagnerRMS https://www.instagram.com/p/CIFA-J_jT5M/?igshid=q6me93yh0j9c
Hoje nossa série NOMADE 7 nos trouxe mais alegrias: entramos para o catalogo da Amazon Prime 😍🎬🎥.
Aproveitem para conhecer nossa série numa TV grande com a promoção da Amazon Prime Video com 30 dias grátis para todo o seu catálogo de filmes e séries 🙌
Apareceu primeiro no Instagram
Passando em uma rua, por um muro, o lembrete: independente do meio, escreva sempre com paixão, humanidade e honestidade.
Apareceu primeiro no Instagram
Como é belo ver a astúcia vencer a própria astúcia!
Hamlet, Ato III, Cena IV
Mais uma degustação de um livro em andamento, desta vez o Livro Zero, marco inicial da minha série Código 7 Infinidade. Para aqueles que curtem uma cientificamente bem embasada (ao menos me esforcei para isso) e dinâmica "space opera", com certo tempero de fantasia paranormal (mas que no decorrer da série se descobre não ser tão surreal assim), então este é um convite para você embarcar comigo em uma jornada eletrizante pelo Universo! Venha:
"Sabíamos que o mundo não mais seria o mesmo. Algumas pessoas riram, algumas pessoas choraram, a maioria ficou em silêncio. Recordei-me de uma passagem das escrituras hindus, o Bhagavad-Gita. Vishnu está a tentar persuadir Arjuna de que deve fazer o seu dever, e para o impressionar assume a sua forma de quatro braços e diz, 'Eu tornei-me a Morte, o destruidor de mundos.' Suponho que todos nós pensamos isso, de uma maneira ou de outra." — Robert Oppenheimer (Sobre a experiência "Trinity", o primeiro teste nuclear da História).
O Vigilante do Abismo
[MENSAGEM DE RÁDIO INICIADA - ONLINE]
18/Dez/2.143 : 23:15 Hora Padrão :
Missão: 01387 – Nave de Pesquisa e Resgate ESA VTX 71 Jacques-Yves Cousteau – Órbita de Júpiter.
Objetivo: localizar e, se necessário, abordar veículo sem registro oficial, que emite sinal de uma posição extremamente baixa na órbita de Júpiter.
Tripulação: Primeira Comandante Valkiria Valentina Cristoforetti, Segundo Comandante Coronel Marcus Alexander Stone, Piloto Tenente-Coronel Vladimir Vladimirovitch Plushenko, Engenheiro de Voo Trajano Stone Cristoforetti, Especialista de Missão (Logística, Exploração e Resgate) Major Sylvia McNamara, Especialista de Missão (Médica e Engenheira de Software) Doutora Jussara Maria Müller.
Situação Atual: em contato com o objeto estacionado na alta atmosfera do planeta Júpiter, ponto onde foi identificada a origem do sinal não reconhecido, recebido seis semanas atrás. Emitindo relatório em retrospecto mais o status atual da missão, pela Comandante Cristoforetti, a seguir.
Assinatura Criptográfica: Mensagem Oficial - Secreta - Emergência - CEI - W897234784329HEIU34309 - Sub-rotina IA de Acompanhamento Laterza-Orwell.
Segue Mensagem de Áudio: Há seis semanas o Consórcio Espacial Internacional, através das antenas do Cinturão de Asteroides pertencentes à Companhia Mineradora Himmels Polizei Adventures, começou a receber um sinal, provavelmente um radiofarol-de-emergência, de um veículo não registrado, posicionado em órbita extremamente baixa de Júpiter. A Cousteau foi imediatamente deslocada para prestar socorro, mas mesmo sendo os mais próximos, chegamos aqui apenas há cinco dias. O que encontramos foi perturbador. A fonte do sinal, uma imensa estrutura, está no centro do Olho de Júpiter, acessível através de um canal de calmaria no vasto furacão que, nós acreditamos, é gerado e mantido pela própria estrutura. Não pudemos compreender de onde ela veio, nem como se instalou. Cogitamos algumas teorias, e uma delas, baseada no contato sensorial inexplicável entre esse lugar e o Coronel Stone quando da segunda abordagem, feita ontem, é de que o Vigilante do Abismo, codinome que demos a esta estrutura... Sempre esteve lá... Desde os primórdios do nosso Sistema Solar. O sinal que captamos parece estar programado para se repetir a cada... Um milhão de anos, é nossa estimativa... Não compreendemos como a estrutura se mantém, mas há um ar de deterioração aqui, sem dúvida, apesar da presença de inúmeros autômatos de formas as mais estranhas, muitos dos quais parecem fazer a manutenção do lugar. Outra informação importante, os instrumentos de bordo do Vigilante parecem indicar, graficamente, que um outro sinal precedeu o radiofarol que captamos, e este sinal é disparado para fora do Sistema Solar. Nossas sondas automáticas confirmaram que este gigantesco aparelho gera, lá embaixo, na sua base, uma espécie de portal dimensional que permite viagens interestelares, pois as sondas voltaram com fotos de constelações cujas análises de paralaxe (1) indicam uma alteração de perspectiva de vários anos-luz... Atenção, aguardem, o portal estelar de Júpiter está se abrindo novamente, se expandindo, mas que...
[MENSAGEM DE RÁDIO INTERROMPIDA - ENDOFLINE]
Um Pai de Verdade
Quarenta e oito dias depois do encontro com o portal estelar do Vigilante do Abismo, o corpo do Coronel Marcus Alexander Stone estava prestes a se dilacerar, e ele sentia cada fibra de seus músculos estendida ao máximo, prestes a romper.
Certamente seu traje pressurizado se romperia antes, mas não tinha como fazer outra coisa, então Marcus rilhava os dentes, respirando entre eles, gotas de saliva respingando na parte de dentro do seu capacete, enquanto com a mão esquerda o homem se agarrava ao batente de uma das escotilhas da Cousteau, que flutuava e se despedaçava em órbita daquele moribundo planeta alienígena. Com a outra mão Stone segurava as mãos do rapaz que se debatia no vácuo, sendo sugado pela exótica força de convecção do portal estelar que o próprio jovem havia aberto, que sugava átomo a átomo das proximidades, arremessando-os para longe, para evitar que o monstro gigantesco e hediondo que estava se materializando através do portal se solidificasse em torno de outros corpos. Não havia como ambos os homens, o mais velho e o mais jovem, saírem vivos dali. Mas também não havia como Marcus ordenar que seu coração e seus músculos largassem seu filho, não tinha como abandonar Trajano! Não podia! Seu filho! O destruidor de mundos, o conjurador do monstro ancestral e assassino que chegava através do portal estelar, e que seria o flagelo de bilhões de vidas no planeta verdejante lá embaixo! Ainda assim um pai, um pai de verdade, não pode, não consegue soltar a mão de um filho que espuma, insano, raivoso, feroz, mas que ainda é seu filho.
— Trajano! — Vociferou em desespero Marcus Stone, pelo rádio. — Filho! Para isso! Para!
— Vão morrer, pai! — Urrou o jovem de volta. — Todos esses monstros vão morrer!
Repleto de Vida
Muito antes deste momento derradeiro de pai e filho, aos seis minutos, vinte e três segundos, e oito décimos depois do encontro com o portal estelar do Vigilante do Abismo, os alarmes de bordo dispararam em uníssono, e ecoaram por toda a nave, pois por uma fração de segundo seus sensores ativos indicaram que tudo na ESA VTX 71 Jacques-Yves Cousteau parou de funcionar. Foi somente por um instante, mas os alarmes não queriam saber, e berravam insistentes. O mesmo processo, ocorrido quando a nave atravessou o portal estelar de Júpiter, teve o efeito, sobre os nervos dos tripulantes, de um breve mas excruciante momento de dor.
— O quê?! O quê foi!!!... O que foi isso?? — Balbuciava, desorientada mas se esforçando para ficar em pé, Sylvia McNamara, a jovem e normalmente radiante especialista em resgates no vácuo. Seus longos e lisos cabelos castanhos estavam um tanto desgrenhados, e sua face de pele clara estava ainda mais pálida. Ela já salvara vidas inúmeras vezes em gravidade zero, e se orgulhava de nunca ter passado mal e sempre ter mantido o controle sob quaisquer que fossem as forças centrífugas, mas naquele instante a sala de comando da Cousteau girava loucamente. E, pelo espetáculo que podia ser visto através do grande monitor panorâmico frontal, isso ocorria literalmente, pois um campo de estrelas girava, alternando com a superfície verdejante de um planeta, e de volta às estrelas, sem parar. Sylvia teve que se conter para não pôr tudo do estômago para fora, virando o rosto para não mais ver o monitor.
— Todos estavam a bordo? Todo mundo a bordo? — Perguntava sem parar a Comandante Cristoforetti, falando a um minúsculo microfone cuja haste se estendia de um auricular posicionado em sua orelha direita. Ela estava sentada e presa pelos cintos de segurança em sua cadeira na sala de comando. — Plushenko! Plushenko! Perdemos estabilidade!
— Estou a caminho! — Veio a voz, decidida e firme, do piloto pelo sistema de comunicação, cujo tom indicava que ele estava correndo o melhor que podia em gravidade zero.
Por toda a cabine de comando objetos soltos flutuavam, ricocheteando de quando em vez, ou nas mulheres ou nas paredes e instrumentos.
— Sylvia! — Chamou a Comandante. — Tudo bem?
— Sim, comandante. — Disse McNamara, forçando um amplo sorriso para tranquilizar a outra, assim que entrou no campo de visão de Cristoforetti, cuja cadeira a mantinha apontada para a proa da nave, onde estava o monitor panorâmico. — Só com diversos arranhões, e os que doem mais estão no orgulho! Eu estava sem os cintos.
— Syl, por favor veja o que houve com o cilindro.
McNamara já havia se adiantado, eficiente como sempre, e, verificando um determinado painel, respondeu quase de pronto:
— Está reiniciando, desarmou. Assim que restabelecermos o momentum (2) da nave, a gravidade simulada deve voltar.
Valkiria Valentina Cristoforetti, com sua testa morena enrugada de tensão contida, e com seus grandes olhos escuros arregalados de atenção, mexia nos controles direcionais da Cousteau, tentando adiantar o serviço do piloto, e repetia no microfone:
— Todo mundo a bordo? Reportem! Todos a bordo? Ninguém em extra-veicular, pelo amor de Deus? Parece que mudamos de posição no espaço, não vejo o Vigilante... Nem... Júpiter...
O primeiro a chegar foi Vladimir Vladimirovitch Plushenko, que saltou para a cadeira do piloto como quem veste a melhor e mais querida roupa. Enquanto Trajano, Stone e Jussara se juntavam à eles, Vladimir conseguiu, aos poucos, reequilibrar a nave, usando com extrema perícia os jatos de manobra para ir influenciando o giro da Cousteau, até estabilizá-la. Instantes depois disso um solavanco indicou que o cilindro rotatório, que simulava por força centrífuga a gravidade, estava voltando a funcionar, e dez minutos depois todos conseguiam andar e se mover normalmente de novo.
— Muito bem, piloto. Agora vamos restaurar todos os sistemas! — Ordenou a comandante.
Trabalhavam juntos naquela nave há quase três anos. Eram uma família, e também eram como soldados muito bem treinados, pois no vazio do espaço, se um não cuida do outro, e se não são capazes de trabalhar com afinco e precisão sob quaisquer circunstâncias, as pessoas não sobrevivem muito tempo. Passaram então a hora seguinte verificando e desarmando um a um os alarmes que haviam sido disparados, de modo a terem certeza da integridade do seu pequenino mundo chamado Cousteau. Quando finalmente tudo havia voltado a relativa normalidade, e Jussara havia atestado que todos estavam de fato bem, sem ferimentos graves ou concussões, eles todos se acumularam diante do monitor panorâmico frontal da Cousteau, e olharam, fascinados, um planeta cheio de vida, coberto por amplas florestas, e grandes trechos de água, e que, visivelmente, não era a Terra.
Perigeu
Um dia, dezesseis horas e vinte e nove minutos depois do encontro com o portal estelar do Vigilante do Abismo, os alarmes de colisão da nave terrestre disparavam.
Estavam sobrevoando o planeta de uma longa órbita desde que chegaram, captando amplo escape de sinais de rádio vindos de terra, no entanto nada era passível de ser compreendido, embora as VRPs (3) de bordo não tenham parado de trabalhar um segundo em cima desses dados, e já tivessem conseguido identificar que eram sinais digitais, em essência parecidos com os nossos, o conteúdo em si ainda era ininteligível. Diversos artefatos em órbita, alguns até maiores que a Cousteau, emanando e refletindo esses sinais, indicavam uma civilização tecnológica. Mas os telescópios, mesmo os de mais longo alcance, não mostravam na superfície do planeta grandes cidades ou estruturas viárias. Nada, a não ser vestígios muito pouco nítidos do estruturas que poderiam ser pequenas aglomerações de casas ou construções de algum tipo, como pequeninas aldeias. Quando muito alguns pratos de antenas, parecidas com radiotelescópios (4) de porte médio, apareciam em montanhas que emergiam, aqui e ali, em meio a exuberante selva que cobria aquele belo e exótico mundo.
Havia ficado mais que evidente que estavam num outro sistema solar, visto que o planeta verdejante ali embaixo não poderia existir em lugar algum das cercanias da Terra, e que suas observações astronômicas não identificaram nenhuma constelação conhecida, mas mostraram que apesar de parecida, a estrela que orbitavam não era espectralmente (5) idêntica ao nosso Sol, e tudo indicava ser cercada por seis planetas. A Cousteau estava orbitando o quarto, que era cercado por sua vez por três luas, cada uma com cerca de um terço até a metade do tamanho da Lua da Terra.
Visto então que não havia para onde recuar, e que seus suprimentos vitais não durariam para sempre, e estavam mesmo chegando ao limite mínimo, por mais que estivessem bastante nervosos com a possibilidade de um primeiro contato com alienígenas, todos resolveram, após uma tensa reunião onde a Comandante quis a opinião de cada um dos tripulantes, se aproximar mais, entrando numa órbita elíptica tal que os levaria a, no ponto mais próximo ao planeta, passar pouco acima dos satélites artificiais daquele mundo. Faltavam algumas dezenas de quilômetros para atingirem esse ponto de máxima proximidade, e estavam todos com trajes pressurizados mas não lacrados, rostos à mostra, e a postos. Valkíria, Plushenko, Stone e Sylvia na cabine de comando, os outros no observatório a meia nau, prontos para sobrevoar, analisar, filmar e fotografar o novo mundo e seus satélites, quando o alarme de colisão começou a tocar! A voz monótona de uma das VRPs não autoconsciente dizendo sem parar, até ser desligada, "Colisão! Alerta! Colisão! Tomar medidas evasivas! Colisão! Alerta!".
— O que é, Vladimir? — quis saber a Comandante Valkíria, de sua cadeira no centro da cabine, e sabendo que o alarme só dispararia no caso de uma iminente catástrofe. Algo grande estava vindo.
— Não é visível ainda, e meus sensores não identificam nenhum radiofarol.
— Sylvia?
— O radar de proa disparou o alarme. Ele indica que algo vem da superfície em alta velocidade, — Respondeu prontamente McNamara — e está em trajetória balística de interceptação, deve nos atingir em cheio no nosso perigeu (6). Míssil? Outro ônibus espacial deles por acaso em nossa trajetória?
— Piloto.
— Alterando a rota. Recalculando trajetória… — Vladimir Vladimirovitch levantava as espessas e escuras sobrancelhas, e como sempre, ficou com o rosto pálido ligeiramente ruborizado quando se concentrava no monitor do seu computador — Sylvia, me passa as atuais posições dos satélites artificiais. Não posso desviar de uma coisa e esbarrar em outra.
— Feito.
— Pronto, vamos passar a cerca de vinte quilômetros do tal míssil. — afirmou o piloto, enquanto todos ouviam o rumor dos propulsores de manobra alterando o curso da nave.
— Não vamos não, — retorquiu McNamara — o míssil alterou a rota também, e voltou a mirar em nós. Colisão em doze minutos, trinta e três segundos e seis décimos.
— Equipe do observatório. — Chamou o Segundo Comandante Marcus Stone, pelo intercomunicador — Alguém conseguiu definir o que é isso que vem em nossa direção?
— Algum tipo de foguete! Tem a forma de um grande míssil mesmo. — Respondeu Trajano de volta. — Os filhos da puta estão atirando em nós!
— Piloto. — Chamou a Comandante Valkíria.
— Vou fazer o possível.
— Todos prontos para eventual colisão e despressurização! — Disse, quase gritando, Valkíria, também ao intercomunicador, para todos ouvirem.
— Vladimir, use os satélites deles de escudo! — Sugeriu Marcus. Ao que recebeu um tenso e reprovador olhar de sua esposa, a Comandante. — Prefere morrer aqui, Val?
— Não, piloto siga a ordem do Segundo Comandante!
— Sim! Desligando cilindro rotatório, assumindo controle manual total.
Quase que imediatamente, enquanto o cilindro que simulava gravidade ainda estava finalizando sua imobilização, e a tripulação mal começava a perder a sensação de peso, a nave terrestre guinou. Foguetes de manobra cuspindo fogo intensamente, seus ocupantes pressionados contra seus assentos abruptamente, e os propulsores principais incandescendo num rubro azulado radiante. Por dentro do veículo toda a sua estrutura guinchando, chegando próxima de seu ponto máximo de estresse, símbolos de alerta espocando nos painéis de controle.
— Vladimir!... Vladimir!... Vladimiiiir!... — Repetia a Comandante, sem conseguir se conter, enquanto uma das grandes estações orbitais alienígenas assomava, crescendo subitamente no monitor panorâmico frontal da cabine de comando. Nem mesmo a experiência de Valkíria, que já voava há anos com o russo temerário, lhe fez acreditar que não bateriam em cheio. Mas Vladimir Vladimirovitch Plushenko tinha poucos rivais na pilotagem. Passaram, talvez, há pouco mais de cinco metros abaixo da estação extraterrestre, chamuscando aquela estrutura com os jatos da Cousteau. Mas o visual, depois dessa manobra, não tranquilizou ninguém. A nave da Terra mergulhava, como um bólido, bem dentro do setor da órbita daquele planeta mais apinhado de satélites e de tráfego.
— Syl, e o míssil? — Quis saber Valkiria, agarrando-se a cadeira de comando, onde já estava presa por seus cintos.
— Ainda mirando em nós. Ele tem uma manobrabilidade provavelmente superior a nossa, mesmo com Vlad pilotando! Sete minutos para impacto!
— Marcus, podemos lançar algo em nosso rastro?
— Não, Comandante, essa nave não foi feita pra isso, não temos o que ejetar e se abrirmos alguma comporta explodimos. Vladimir, outra sugestão, entre naquela zona de tráfego intenso, e reduza!
— O quê?! — Disse o piloto, incrédulo no que seu Segundo Comandante lhe dizia. Vladimir podia ver o míssil agora, cada vez mais próximo.
— Não vamos escapar daquilo! — Stone gritava — Isso aqui não é um caça! Com um caça eu aposto que você escapava de um míssil, amigo, mas com isso aqui, não! Para no meio deles e reza pra eles não matarem sua própria gente!
Olhando de um homem para o outro, a Comandante suspirou, tensa, e disse:
— Cumpra, Vlad!
A Jacques-Yves Cousteau acionou com uma pequena explosão seus retrofoguetes, desacelerendo o mais rápido que pôde, por cerca de dois minutos sua tripulação foi submetida a intensa força inercial, alguns quase desmaiando. A nave terrestre mergulhou então no maior fluxo de veículos que pareciam transportar coisas ou pessoas ou ambas do solo lá embaixo para as estações orbitais, e entre estas. As navetas de transporte alienígenas, usando claramente foguetes de manobra também, se acomodaram aos poucos à presença da Cousteau, o fluxo era tão intenso ali que se saíssem muito de suas trajetórias, seria o caos. Um som melódico como um vibrante e cada vez mais intenso sino, cujos repiques aconteciam com cada vez menos tempo entre eles, plaaam, plaaam, plaaam, indicava a aproximação fatal do míssil.
— Lá vem ele. — Disse a Major Sylvia McNamara, contendo uma risadinha nervosa. Sylvia sempre tinha vontade de rir quando estava ansiosa, fazia parte de seu jeito jovial e quase sempre radiante. Apesar de amar a jovem quase como uma filha, a Comandante não conseguia evitar de se irritar com esse tique nervoso de McNamara.
O radar repicava: plaaam!... Plaaam!
— Atenção. Preparem-se para o impacto! Selem os trajes! — Ordenou Valkíria ao intercomunicador, enquanto, assim como todo resto da tripulação, fechava o visor do capacete de seu traje pressurizado, embora ele fosse fechar sozinho ao menor sinal de despressurização, e prendia o tanque de oxigenação no encaixe frontal de seu traje, para poder continuar sentada e presa em sua cadeira. — Rádios dos trajes ok?
Um a um os tripulantes confirmaram, rapidamente, que estavam com trajes fechados e que, portanto, estavam ouvindo por seus rádios individuais a voz da Primeira Comandante. Todos em contato.
Plaaam!... Plaaam! Plaaam!
— O diabo do míssil é enorme… — Sussurou Sylvia, mas todos, evidentemente, puderam ouvir. Percebendo isso ela completou: — É quase o triplo da Cousteau. Nuclear?
Plaaam! Plaaam! Plaaam! Plaaam!
Evidentemente, nos últimos instantes, Vladimir Vladimirovitch girou a nave, numa tentativa de minimizar a área de impacto e os danos, deixando os tanques de combustível no ventre da nave do outro lado, e inclinando a forte blindagem dorsal dos motores contra o míssil.
PlaaamPlaaamPlaaamPlaaamPlaaam!
— Não vão parar… Tem um monte de gente deles em torno de nós, e eles não vão parar... — Disse o piloto enquanto fazia a manobra. A tela panorâmica da ponte de comando ainda mostrando a visão da câmera externa na direção de onde vinha o míssil, um monstro cavalgando chamas intensamente rubras, como alguma máquina apocalíptica medonha que se agigantava, agigantava, agigantava, um pequeno sol prestes a surgir na órbita daquele planeta, nada poderia impedir isso.
A comandante fechou os olhos, dolorosamente impotente. Sylvia ria baixinho, em algum lugar. Plushenko murmurava algo em russo. Stone jazia em profundo silêncio. Lá do observatório, era chegada também a hora em que nada mais soava tolo, e Jussara disse que sentiria falta de todos e Trajano gritou algo sobre amar.
Plaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaammmmmmmmm!!! Valkíria esticou a mão e agarrou a de Marcus. E foram todos engolidos por um imenso clarão na silenciosa e fantasmagórica explosão no espaço.
CONTINUA...
GANHE O LIVRO: Gostou desta degustação? Quer ganhar eBook do Livro Zero completo logo que ele estiver pronto? Então inscreva-se clicando aqui.
Agora, por favor, deixe o seu comentário aqui no final desta página, depois das notas de rodapé abaixo, sua opinião é FUNDAMENTAL, e vai me ajudar e a escrever mais e melhor para você!
_________________
Notas de Rodapé:
(1) Paralaxe: é utilizada, na astronomia, para definir a diferença na posição aparente de um objeto visto por observadores que se encontram em locais diferenciados. A palavra Paralaxe tem sua origem no idioma grego e significa alteração. Na astronomia, o termo corresponde à alteração da posição angular que ocorre entre dois pontos estacionários relativos quando vistos por um observador em movimento. Isto significa que ocorre uma aparente alteração em relação à posição de um objeto quando um observador varia o fundo de observação. Uma utilização prática da Paralaxe na astronomia é referente ao cálculo feito para medir a distância das estrelas tendo como base o movimento da Terra em sua órbita, é a chamada paralaxe estrelar. Já a paralaxe anual tem sua definição a partir da diferença de posição de uma estrela vista a partir do Sol e a partir da Terra. É importante para os cálculos que determinam distância em anos-luz. Calcula-se então o parsec que corresponde à distância para a qual a paralaxe anual é de um segundo de arco, também chamado arcseg. Cada parsec equivale a 3,6 anos-luz. É importante destacar que não é possível ver uma estrela a partir do Sol, em função disso, a observação é feita a partir de dois pontos opostos da órbita do planeta Terra e o resultado obtido é dividido por dois. A distância que um objeto possui em parsecs pode ser calculada do inverso de sua paralaxe. O resultado da paralaxe é obtido através da divisão da unidade astronômica, que corresponde à distância média da Terra ao Sol, pela distância até a estrela desejada. O valor encontrado é multiplicado por 180 e pelo resultado da divisão de 3600 por PI. O resultado dessa conta é dado em arcseg. (Dicionário Informal: http://www.dicionarioinformal.com.br/paralaxe/)
(2) Momentum: Em Física significa o produto da massa pela velocidade do corpo; impulso; quantidade de movimento. Também significa força, ímpeto, pique. (Dicionário Informal: http://www.dicionarioinformal.com.br/momentum/)
(3) VRP (Virtual Reality People): Toda e qualquer Inteligência Artificial (I.A.), pois todas são baseadas em um mesmo sistema algorítmico, conhecido como Vínculo Matriz-Conceito de Maia (Maia - 2010), ou Algoritmo de Maia. Uma VRP é uma "pessoa sintética", que pode ter as mesmas capacidades intelectuais de um humano, ou ser muito superior, intelectualmente, a este. Uma VRP ainda pode existir somente como um software dentro da VRnet, ou ter toda uma estrutura de hardware, que pode ser um poderoso computador quântico ou um optoeletrônico EpChip (encefaloprocessadores Matriciais). Por força de Lei Constitucional Mundial, toda VRP deve ter seus algoritmos (o essencial Algoritmo de Maia e todos os paralelos) dependentes do Algoritmo Ozimov, que é uma técnica que consiste em um algoritmo de aprendizagem de máquina, cuja função abstracional está focada na identificação de contexto de situações decisórias da Inteligência Artificial na qual está implantado, sopesando tais decisões de acordo com três critérios a saber: quanto bem causa, quanto mal causa, e quanta justiça gera. Como os instintos mais básicos e inescapáveis do ser humano, numa VRP o Algoritmo Ozimov está na raiz de cada decisão e recorre a um banco de dados de situações éticas básico mas amplo, que, no entanto, vai crescendo de acordo com a vivência da máquina. Ou seja, a máquina não toma nenhuma atitude sem que esta passe primeiro pelo Algoritmo Ozimov (isso está garantido tanto por estruturas de software quando de hardware dedicado ou não, e está previsto em cláusula da Constituição Mundial como de uso obrigatório, sendo crime gravíssimo a fabricação de robôs sem essa salva-guarda. Vale notar que, não raro, a Agência Código 7 usa VRPs de vários tipos, de robôs a softwares, sem ou com uma versão o Algoritmo Ozimov modificada, que permite, por exemplo, que seus robôs de segurança portem armas mortais e façam uso delas), e quanto mais atitudes éticas a máquina sopesa e compreende, mais refinado fica o algoritmo. O nome do algoritmo é a pronúncia do sobrenome em russo do bioquímico e escritor de ficção científica Isaac Asimov [WikiPédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Isaac_Asimov], criador de contos e romances protagonizados por robôs que seguiam fundamentalmente as Leis da Robótica [WikiPédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Leis_da_Rob%C3%B3tica], de sua autoria e que serviram de inspiração para toda uma vertente da engenharia robótica voltada a criação de Inteligências Artificiais dotadas de comportamento ético, culminando no pequeno e rudimentar robô chamado de Nao, da Aldebaran Robotics (http://www.aldebaran-robotics.com/), no ano de 2010, que foi a primeira máquina dotada de princípios éticos [Revista Scientific American Brasil, Ano 8, Número 102, Novembro de 2010], e, em meados do século seguinte, na criação e aprimoramento do Algoritmo Ozimov e de sua técnica de aplicação.
(4) Radiotelescópio: Constrastando com um telescópio óptico, que produz imagens a partir da luz visível, um radiotelescópio observa as ondas de rádio emitidas por fontes de rádio, normalmente através de uma ou um conjunto de antenas parabólicas de grandes dimensões.(Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Radiotelesc%C3%B3pio)
(5) Espectroscopia Astronômica: é a técnica de espectroscopia usada na astronomia. O objeto de estudo é o espectro de radiação eletromagnética, incluindo luz visível, que irradia de estrelas e outros corpos celestes. Espectroscopia pode ser usada para determinar muitas propriedades de estrelas distantes e galáxias, como suas composições químicas. (Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Espectroscopia_astron%C3%B4mica)
(6) Perigeu: (Astronomia) ponto da órbita de um astro ou satélite em torno da Terra, no qual ele se encontra mais próximo de nosso planeta. (Wikidicionário: http://pt.wiktionary.org/wiki/perigeu)
#Repost @fraternidadedeescritores ・・・
Olá, sou Wagner RMS, escritor e roteirista que teve o privilégio de apoiar um pouquinho e conhecer em primeira mão o trabalho incrível destas duas referências do Mercado Criativo que vou entrevistar hoje. O showrunner Flávio Langoni nos deu a primeira websérie nacional de ficção científica, Onda Zero, que provocou uma revolução no formato e no gênero no Brasil, recebendo prêmios e indicações mundo afora. Com a parceria da talentosíssima produtora Lívia Pinaud os dois ampliaram os horizontes da FC&F verde e amarela nas telas, realizando shows como Nomade 7 (disponível na Amazon Prime Vídeo) e a websérie antológica Outro Lado, que arrebanharam reconhecimento, indicações e prêmios os mais importantes em quase todos os continentes do planeta Terra! Sem mais, aplausos para eles, que representam com destaque todos nós, Criativas e Criativos brasileiros:
Wagner RMS: Que legal poder começar nossas entrevistas com vocês dois! Sou fã, quero autógrafos. Mas, sem mais delongas, ao que interessa: Mestre Flávio, qual é o processo de criação de histórias de vocês?
Flavio Langoni:
Apesar de termos cada um a sua função, o nosso trabalho, na Kilmerson Dreams, se mistura muito. Eu participo bastante da produção com a Livia e ela, do desenvolvimento das histórias comigo. A ideia inicial para uma história costuma vir, para mim, de lugares muito diferentes. Às vezes de uma música que eu escuto e que me traz uma cena que pode ser desenvolvida e virar uma história inteira, de inspirações de infância misturadas com um olhar pro futuro, como foi o caso do Nomade 7 e até de necessidades que nós possamos ter com relação a projeto. Por exemplo: Precisamos de uma história de ação, ou de um romance e por aí vai.
___
Link para a entrevista aqui.
Desta vez o texto pediu ao autor para ser um pouco mais profundo, mais amplo, e levou mais tempo a ser escrito. De qualquer forma chegamos ao fim desta jornada juntos, e descobrimos, enfim, que Milton é gente, que sonha, sofre, erra, se perde e se acha, mas que, se deseja algo de bom ao mundo, aos outros, então não pode ser louco, afinal. Quero, também, te agradecer, profunda e sinceramente. Você que veio até aqui comigo, me desculpe onde não atingi todas as suas expectativas, e obrigado pelos momentos em que eu pude ter o privilégio de te divertir e te comover de algum modo. Muito, muito obrigado. Agora, que se ergam as cortinas de sua poderosa imaginação, e adiante na leitura, que o alimento para sua curiosidade está logo aqui embaixo!
Leia a Parte 1 de "Sob o Olhar da Eternidade"
Leia a Parte 2 de "Sob o Olhar da Eternidade"
Leia a Parte 3 de "Sob o Olhar da Eternidade"
Hic Sunt Dracones
Desta vez era o fim da tarde, e Milton Steinberg estava novamente em frente ao Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, na Urca, pensando em como entrar. Primeiro ponderou que, feito nos filmes, era só se deixar capturar.
— Meu nome, — Disse Steinberg ao porteiro, falando pausadamente, gravemente, para ser entendido de primeira — é Steinberg, Milton Steinberg.
O porteiro, depois de olhar para o sujeito na sua frente por um longo momento, enfim disse:
— E?…
Milton voltou para a rua e ficou olhando o prédio, se sentindo amargurado, mas também um idiota. O porteiro não estava avisado para capturar qualquer Steinberg que aparecesse, aquilo não era roteiro previsível hollywoodiano… Ou era? Então Milton voltou e tentou dizer, na portaria, que precisava falar com o Doutor Rubens Castilho Lewroy. Obviamente o porteiro informou que Castilho não estava, o físico havia pedido umas férias, ele achava, e que se quisesse o visitante poderia deixar recado para quando o Doutor voltasse, era só dizer.
Novamente Milton estava na rua estreita em frente ao prédio do CBPF, ponderando. O que pretendia fazer se fosse capturado e levado aos seus algozes? Como parar tudo aquilo? Será que, ao entrar, descobriria que não ocorreu explosão alguma e que, de fato, ele tinha ficado muito doente, completamente louco? Caminhou, tenso, pela rua, e encontrou um pequeno bar. Bebendo uma cerveja, tentou chegar às respostas, talvez a uma linha de ação.
Nada.
No entanto, em certa altura de suas elocubrações, imaginou como uma explosão naquele prédio federal não foi noticiada?
Neste instante seu celular voltou a tocar. Atrapalhadamente, enquanto se lembrava mais uma vez de filmes que viu, e tentava arrancar a bateria do celular para não ser localizado, se deu conta de que havia tentado ser capturado, e, olhando para o smartphone por um segundo, sentindo-se novamente idiota, atendeu.
— Steinberg? — Disse a voz no aparelho.
— Rubens?
— Eu. Conseguiu se mandar?
— Nós?… Cara, eu te vi mesmo hoje?
— Viu. Você conseguiu fugir também?
Após um longo e comovido suspiro, afinal a ligação de Lewroy indicava que provavelmente ele, Milton, não estava louco, Steinberg foi pondo a mão perto da boca e baixando o tom de voz, para tentar não ser ouvido por mais ninguém, além de Castilho, e por fim foi dizendo ao celular:
— Sim. Mas não suporto mais isso. Tô aqui no seu trabalho, quero encarar. Quero entrar, destruir a tal máquina, ou morrer tentando. Essa sensação que trago comigo está me enlouquecendo, cara! Tô fazendo coisas que não faria, agredindo e sendo agredido! Tô com medo de estar doido…
— Não está.
— Graças a Deus! Mas então eu tenho que entrar mais ainda, tenho que mudar tudo, não quero ser preso, não adoro minha vida, mas não quero que ela fique pior!
— Calma… Entendo…
Silêncio. Após esperar um tempo para que Rubens falasse mais, Steinberg disse, em tom suplicante:
— A experiência… Envolvia o que chamamos de correlação inversa de causa e efeito entre partículas. Usando o entrelaçamento quântico, pretendíamos provar inequivocamente que partículas espalhadas pelo espaço e tempo podiam trocar informações entre si, ou seja, causar efeitos entre si, tanto para frente, quanto para trás no tempo. Tem haver também com uma pesquisa sobre o Universo holográfico, não vou entrar em detalhes. Os equipamentos funcionam em vários centros de pesquisa pelo mundo, em câmaras no subsolo, e em dias alternados, medindo depois de cada teste seus efeitos uns sobre os outros. A Doutora Alice, que entrou recentemente para o projeto, sugeriu alinhar todos os labs e pôr as máquinas para funcionar ao mesmo tempo. É quando a explosão ocorre, às sete e meia da manhã, de uma mesma quinta-feira. Sempre.
— Então vocês?…
— Sim, já sabemos. Um camarada meu, o José Gustaf, sugeriu inclusive uma solução, mas o cara foi despedido, nunca mais soube dele. Acho que ele…
Mais uma pausa.
— Acha o quê?
— Alice tá metida com alguém, vi uns e-mails dela pra alguém na Finlândia. Acho que querem que tudo fique assim.
— Não!
— Escute, Iceberg, minha carona vai sair aqui. Vou jogar fora esse celular que estou usando. Não tenta me encontrar, por favor, meu amigo. E sai daí!
— P-peraí! Peraí, me diz como eu posso acabar com isso!
Silêncio. Quanto Milton já achava que Rubens havia desligado, este último diz:
— Minha sala. Meu computador. Pressione éfe sete na inicialização, tem um dual boot ali, entra no segundo sistema. Lembra do programa infantil que assistíamos na sua casa, Iceberg? Capitão Asa, e o jogo em que você sempre foi fera. É a senha. Adeus.
Sem dúvida, agora, Rubens havia desligado. Afastando o celular, os olhos de Milton se perderam no infinito. Ainda precisava entrar, mas agora tinha uma chance, sabia de uma boa pista. Certamente Rubens havia dito a ele como entender e destruir o experimento que o estava enlouquecendo.
Levantou-se, no impulso de voltar à portaria do CBPF, mas foi interrompido.
— Cara, vai esquecer seu telefone em cima do balcão! — Disse a senhora gorducha e com ares de pessoa simples e muito objetiva.
— Obrigado. — Respondeu Milton pegando o aparelho que, sem perceber, ele havia largado no tampo do bar. Estranhamente notou que o smartphone estava zerado de bateria. A quanto tempo?… Piscou, não podia entrar naquela paranóia de novo, ele havia conversado sim, com Rubens, e agora sabia o que fazer, precisava entrar no prédio, precisava chegar à sala de Lewroy.
Caminhou resolutamente pela rua, e estava entrando no prédio novamente quando ouviu alguém dizer:
— Oi, vizinho?
Inacreditavelmente Rheny Rousseau estava quase ao seu lado, entrando no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas junto com ele. Aturdido, Milton ficou olhando para ela, que pareceu ler seus pensamentos e explicou, sorrindo, encantadoramente:
— Sou advogada. Tenho um cliente aqui que preciso ver para pegar umas assinaturas. — falou, levantando com o polegar a alça de uma pequena mas aparentemente cheia mochila que trazia no ombro. Ela estava elegantemente vestida, com um daqueles terninhos que deixam as mulheres ainda mais atraentes, ao menos na opinião de Steinberg, que, por sua vez, disse:
— Ah, hum, desculpe, eu não esperava te ver agora.
— Foi mal, está ocupado? Trabalha aqui? — Rheny disse, ficando mais séria, parecendo ligeiramente constrangida.
— Não se desculpe! É… É muito, muito legal mesmo te rever, quero dizer, eu queria isso, quer dizer… Te ver de novo.
Ela sorri novamente, francamente, e retruca:
— Eu também queria. Vai entrar?
— Onde?
Ela aponta, divertida, para a portaria do CBPF.
— Ah! Sim. Preciso. Mas não…
— Não?
— Quero dizer, não vão me deixar entrar. Não, eu não trabalho aqui, um amigão meu de infância trabalha, ele… Deixou um documento muito importante pra mim na sala dele, mas saiu de férias, esqueceu de avisar aos caras. Mas preciso mesmo, preciso dar um jeito de entrar…
Eles se entreolham por um instante, Steinberg ameaçou dizer algo, mas parou. Rheny então disse:
— Eu… Desculpe, gostaria de ajudar, mas… Prédio Federal, advogada, problemas. — Deu de ombros, sem jeito, e sorrindo de lado.
— Nãããão! Não, não, quê isso! Eu não ia te pedir isso. — Ele podia sentir o seu rosto se ruborizando.
Rousseau lhe estendeu a mão, que ele apertou, e ficaram assim, de mãos dadas e se olhando, ambos um tanto sem jeito, até que a moça disse:
— Posso lhe pedir uma coisa?
— Sim?
— Não desapareça.
Após mais um ligeiro momento, ainda de mãos dadas, estas se afastam, e o homem diz, com convicção:
— Prometo.
Ao ouvir isso, ela acena, com uma graça incomum naqueles dias, e vai se afastando. Ele, no entanto, a chama, e lhe diz:
— Como eu não vou desaparecer? Me dá seu telefone?
Rheny, ainda suavemente sorridente, faz que sim, e diz o número. Ele saca o celular, para anotar no próprio aparelho o número dela, mas está sem carga. Então ele busca, dentro da sua pasta tiracolo, desajeitadamente, algo em que escrever, mas Rheny é mais rápida, e tira uma caneta e uma folha de papel, uma fotocópia de algum documento, de uma das pastas que carrega em sua própria bolsa, anotando seu número no verso que estava em branco, enquanto vai dizendo:
— É cópia de um processo antigo, sem informações pessoais de clientes, essas coisas. Enfim, não tem importância. Tome, — ela entrega a folha de papel a Milton — Me liga mesmo. Como você disse, precisamos nos proteger, uns aos outros, e… Poxa, por favor me desculpa, eu sinto muitíssimo mesmo não poder te ajudar a entrar aqui…
— Nem pense mais nisso. Eu vou ligar pro meu amigo agora, e resolver isso, fica tranquila, mas… — Ele não acreditou quando aquilo saiu de sua boca, pois costumava ser muito tímido para essas coisas, só que acabou dizendo assim: — Que tal um cinema e um bom bate-papo, pra me compensar?
— Fechado! — Diz ela, erguendo o polegar enquanto caminha em direção ao balcão do porteiro.
Steinberg ficou olhando. Estava longe demais para ouvir o que se dizia, mas viu Rheny se identificar, e entrar. Era uma tarefa difícil, para ele, não se deixar hipnotizar pelo sensual e elegante movimento dos quadris da moça, enquanto ela seguia saguão adentro. Ele sorriu, sob efeito, novamente, de sua timidez. Mas, sem dúvida, era fácil gostar tanto da pessoa Rheny, quanto da mulher.
Depois que ela subiu em um elevador, o porteiro deu um breve olhar desinteressado em direção à Milton, e voltou sua atenção ao computador em que registrava as pessoas que entravam. O homem, provavelmente, matava o tempo jogando paciência ou algo assim.
O jogador de Tetris, por sua vez, ficou olhando do papel com o telefone de Rheny para a portaria, e de lá novamente para o papel. Estava se sentindo muito bem por ter conseguido o telefone da sua vizinha, especialmente por achar cada vez mais que ela era uma mulher muito legal, delicada, charmosa, inteligente. Rara.
Mas um sentimento de tristeza assomou em seu coração, mais forte até do que a agonia de saber que o mesmo dia se repetia sem parar, e ele murmurou, entre os dentes:
— Eu nunca mais vou vê-la… Não vai haver futuro para nós… Para ela…
Oprimido por aquela súbita certeza, Milton sentiu o peito ferver de agonia, e seus olhos, por um instante, marejarem. Precisava fazer algo… Precisava…
Então tomou um decisão. Ergueu a folha que recebeu da moça e foi caminhando, resolutamente, em direção à portaria. Assim que chegou lá, o porteiro ergueu os olhos da tela do computador, onde devia estar jogando cartas, e disse:
— Senhor… Milton, eu acho.
— Isso! Milton Steinberg. Eu estava esperando a Doutora Rheny Alencar Roussel, a advogada que acabou de entrar, para pegar com ela um documento, — acenou a folha que trazia na mão — só que ela me deu o documento errado, e vai precisar muito deste aqui. Pode chamar ela de volta, por favor?
O porteiro, que certamente havia percebido os dois conversando na entrada do prédio, disse, sorrindo e talvez querendo voltar depressa ao seu joguinho:
— Ela não deve ter chegado à sala trezentos e quinze ainda. Me empresta sua identidade. Mais fácil o senhor ir atrás dela.
Em menos de dez minutos, no entanto, Milton saltava do elevador no andar onde, se ele lembrava direito, ficava a sala de Rubens. Não demorou a encontrar o recinto, confirmando o nome do amigo numa plaqueta presa à porta. Testou a maçaneta. Aberta.
Entrou e acendeu a luz, indo a passos largos até a escrivaninha de Lewroy, ligando o computador, e assim que os caracteres de inicialização da máquina começaram a aparecer na tela, Milton pressionou, com força, a tecla marcada com os caracteres “F7”, e esperou. Linhas de comandos subiam, parecendo intermináveis, enquanto a máquina se preparava para trabalhar. Steinberg chegou a pensar que o dual boot não existia, mas, subitamente, o monitor exibiu uma tela rústica, feita de caracteres, pois os sistemas gráficos do computador ainda não estavam disponíveis, pedindo ao usuário que escolhesse entre dois sistemas operacionais. Digitando “2” e premindo a tecla “enter”, Milton aguardou mais um pouco. Devia ser um computador mais antigo, mais lento. Finalmente a tela de “login” do sistema operacional surgiu, com seu fundo gráfico e colorido, e seus campos para o usuário digitar nome e senha. O nome já estava preenchido com “Rubens Lewroy” e a senha Milton digitou “capitaoasatetris”, mas recebeu uma mensagem de erro. Tentou de novo, desta vez com acento, “capitãoasatetris”, e o sistema se abriu, ao mesmo tempo em que a porta da sala se abria também, e Doutora Alice Moretti entrava.
— Milton! Que interessante tê-lo aqui, de volta. Não. Não precisa se levantar, e por favor, não se mexa. Estes cavalheiros aqui podem ficar agressivos.
Um dos três homens de terno, que entraram atrás de Alice, era o cara em que Lewroy havia dado um pontapé nos testículos. Na ausência de Rubens, o olhar intenso do sujeito indicava que Steinberg serviria bastante bem para ele extravasar sua raiva com o que havia ocorrido. Na verdade o homem dos testículos feridos já erguia as mãos, empunhando algo. Com uma última espiadela para o computador na sua frente, Milton percebeu que não havia meio fácil de fechar o sistema, a não ser desligando a máquina toda, apertando o botão “on/off” do aparelho. Lançou a mão na direção do botão, e ouviu um estalo assustador, enquanto sentiu a eletricidade de uma arma de choques percorrer seu corpo. Convulsionou intensamente, e desabou no chão, sendo abraçado por uma escuridão cinzenta, enquanto ouvia, cada vez mais longe, uma mulher dizer “já chega, Jack!”. Era Moretti.
— Como assim? — Perguntava uma mulher, em algum lugar próximo, enquanto Milton recobrava a consciência. Novamente ele levou meio segundo para concatenar a voz com suas lembranças, e entender que era mais uma vez Alice falando, perguntando algo, com intensidade, para alguém, que respondeu a ela com uma voz masculina e desconhecida:
— Pouco depois que o computador do Doutor Lewroy foi ativado, lá em cima, depois que eu te avisei que ele foi ligado, na verdade, um programa rodou, acessou a rede do prédio, e alterou a programação da Armillary, fazendo com que ela…
— Pára a Armillary agora! E desliga esse computador!
— Já parei, olha, desconectei um cabo de força primário. Por sorte eu estava calibrando ela, lá dentro, quando entendi que ela estava sendo reprogramada. A Armillary não vai a nenhum lugar, enquanto aquele cabo não for reconectado. E o computador do Rubens, eu preciso analisar, ele tem todos os cálculos do Doutor Gustaf, que o programa dele usou para alterar as Armillarys.
— Espera. O computador era do Rubens, mas os cálculos e o programa invasor são do Gustaf? E o que esse programa fez?
— Sim, são do Gustaf. Os doutores Lewroy e Gustaf também tinham seus segredos. O software invasor programou, via a nossa máquina, todas as Armillarys para se ativarem juntas de novo, mas reposicionou o circuito cinemático; vou revisar os cálculos dele pra ver qual o objetivo, mas tenho quase certeza que ele conseguiu um modo de anular a onda que criou o loop. Ei, eu acho que seu convidado acordou. Esse camarada é físico?
Miltou abriu, afinal, os olhos, e percebeu que estava em um tipo de laboratório, algum galpão cheio de equipamentos de engenharia. Depois se deu conta de que era o subsolo. Ele estava no subsolo onde acontecia a experiência que deu o nó no espaço-tempo. Sua mente entorpecida captou uma fímbria de ideia que estava saindo, sem ele perceber claramente, por sua boca antes até de ele despertar: o tempo não se curva sozinho, o espaço, e a matéria, se curvam com ele.
— Ele anda balbuciando algo parecido com o que Gustaf dizia, que a Armillary, ao travar o tempo, adiaria nossas mortes, mas se uma incerteza não nos pegasse, o acúmulo de massa, causado pelo refluxo do espaço-tempo, ultrapassaria dez elevado a cinquenta e seis gramas rapidamente, dentro de nosso horizonte cósmico, e eventualmente viraríamos um buraco negro.
— Espaço… Acumula… Matéria… — Murmurava Steinberg, pois essa ideia lhe ocorreu enquanto flutuava na escuridão plúmbea: se espaço e tempo formam a mesma coisa, e carregam em si a matéria, será que repetir vezes sem fim o tempo não acaba aumentando a matéria naquele ponto do Universo?
— Acho que Milton, que a propósito é leigo, não teve tempo de ler nada. Rubens deve ter lhe dito isso. Mas essa teoria faz algum sentido? — Perguntou Alice Moretti, enquanto olhava, tensa, para Steinberg. Havia ao lado dela um homem vestindo o clássico jaleco branco de um pesquisador, com olhos intensamente perspicazes. Mais ao fundo, se via uma esfera maior que um homem alto e de pé, feita de anéis entrelaçados, que deixavam o centro oco aparecendo nos vãos entre estes anéis, e tendo toda a sua superfície aplicada com versões gigantes e muito sofisticadas do que pareciam ser velas automotivas, de onde pendiam diversos cabos, alguns grossos, provavelmente cabos de energia, outros mais delicados, possivelmente de dados. Esta, pensava Steinberg, devia ser a tal Armillary que era mencionada a torto e a direito. O nome não lhe era estranho, e lembrava algo que ele achava ter visto na Wikipédia.
— Agora que encontramos os cálculos de Gustaf, e eu consegui dar uma olhada neles, sim, a matemática está bastante robusta. Quero revisar, mas se não tivesse tempo, apostaria que está certa.
— Como uma pilha infinita de cópias… — Disse Milton, sua voz gradativamente ganhando firmeza e subindo de tom. Ele já estava bem desperto, e percebendo que estava sentado em uma cadeira de metal fixa em uma parede, à qual ele jazia preso por uma algema, também metálica. Steinberg prosseguia dizendo: — Eu não li, mas cheguei à mesma conclusão, mesmo sendo a porra de um Zé ninguém! Uma pilha de fotocópias, se acumulando sem fim, cada vez mais pesada, até vergar a mesa em que está apoiada, e fazer ela partir ao meio, afundando sob o peso!
— Quando eu precisar da sua avaliação técnica, jogador de Tetris, eu peço. — retrucou Alice, de modo ferino, e, voltando-se para o sujeito ao seu lado, ordenou: — Retome sua análise, Doutor Danilo.
— É uma metáfora rude, mas vinda de um leigo, bastante aproximada, Senhora Moretti. — Disse o homem de jaleco, que agora Milton sabia se chamar Danilo, e que continuou: — Mas, enfim, o Gustaf, acredito, estava certo. Vamos colapsar em breve. O horizonte de eventos do novo buraco negro coincidirá com a frente de onda do nosso primeiro disparo sincronizado.
— Quanto tempo?
— Impossível calcular com exatidão. Mas não deve demorar. Não sabemos como as ondas do efeito se propagam. Se for quadridimensionalmente, o acúmulo de massa será em progressão geométrica. — Ele pigarreou, e depois concluiu: — Gustaf achava que eram quadridimensionais.
— Vai ser em poucos dias. — Intrometeu-se Steinberg. — E essa filha da mãe sabe muito bem que essas ondas são em quatro dimensões sim! Eu ouvi ela dizer isso, em inglês!
— Afinal, — quis saber Danilo — quem é este homem?
— Ele é a anomalia.
— A… — Danilo se aproximou de Milton, mirando e analisando o homem algemado como se este fosse um exemplar todo constituído de matéria exótica, alguma aberração cosmológica. — A anomalia que descrevi na minha parte das equações?
— Sim.
— Incrível. — O Doutor Danilo se afastou, como se agora Steinberg estivesse fazendo um sensor de radiação gama estourar, e continuou: — Eu jamais adivinharia que pudesse ser uma pessoa, e que ocorresse tão perto de uma das Armillarys. A distância, nos meus cálculos, foi inferida, mas eu jamais chegaria a algo menos que zero vírgula oito sete três ano-luz. Como tem certeza disso, que uma pessoa é a anomalia?
— Ele soube de tudo, teve certeza de que o tempo estava em curva toroidal, no exato momento da experiência. Alega ter, inclusive, visto reflexos da frente de onda.
— Ah, brincadeira! Como ele pode ver isso? Intuição? Impossível!
— A consciência provoca colapso?
Danilo olha para a mulher, e diz, com um sorriso:
— A senhora está brincando? Não está?
Ela deu de ombros, e disse:
— Vou falar com os gerentes. Não faça mais nada.
— A senhora lembra que para o acidente voltar a acontecer, e tudo continuar do jeito que a gerência quer, todas as máquinas têm que estar operacionais, todas as manhãs, não lembra? — Alertou Danilo.
— Eu sei! Mas não faça nada agora.
— E ele? — Danilo apontou para Milton.
— Meus seguranças estão aqui fora, ele está algemado, não vai dar trabalho. De qualquer forma, eu queria que você desse uma olhada em Milton, aqui, para depois sugerir como devem ser os procedimentos de análise dele.
— O que eu quis dizer foi, o que vão fazer com ele depois?
— O normal, — falou Alice, como se respondesse a um “bom dia”, e já saindo pela porta do laboratório, certamente em direção a elevadores — analisar, processar e descartar.
Milton estremeceu. Aquilo não era loucura sua, não era uma fantasia, ele estava prestes a morrer, e seu sangue gelava diante da perspectiva de não poder fazer nada contra isso.
No silêncio que se seguiu, Steinberg mordia os lábios e feria os pulsos tentando se soltar, em vão. Enquanto isso ouvia o zumbir dos equipamentos à sua volta, e o tamborilar dos dedos do Doutor Danilo no computador que havia pertencido ao seu amigo, Rubens. Em algum lugar um relógio tiquetaqueava os minutos, que talvez fossem os últimos de Milton. A qualquer hora viram levá-lo. Será que iam cortar ele? Furá-lo? Dissecá-lo? Alice parecia fria e cruel. Ou talvez só estivesse tentando pôr medo nele… Não, as possibilidades eram tão horríveis que ele não devia levar em consideração esta última hipótese. Devia imaginar o pior.
O tempo se arrastou, suarento e tenso, e a certa altura um dos seguranças de Alice entrou. Não era aquele que Lewroy havia derrubado. O sujeito examinou Steinberg, verificando a algema, depois foi até Danilo, e sussurrou algo. O Doutor fez que sim, em resposta, e esperou o segurança sair, para só então dizer:
— É, Milton. O Gustaf tinha razão.
— Então desliguem essa máquina pra sempre, e me tira daqui.
— Seria bom. Mas entenda, a gerência está acostumada e usar gente, desde muito, muito tempo. Eles querem viver indefinidamente no topo absoluto da nossa sociedade, são maquinadores terríveis, e estão no comando de muitos pontos-chave. Nossos políticos, por exemplo, são fantoches baratos nas mãos dos gerentes, usados para fazer e limpar sujeiras. — Ele se levantou e circundou Milton, desaparecendo atrás deste, mas continuando a falar: — São ágeis, têm que ser, no entanto, naturalmente, os caras demoram algum tempo para tomar decisões, como todo conselho diretor, e no nosso caso, um único dia, sem uma atitude, pode significar o fim.
Um puxão, e um estalo metálico no pulso de Steinberg. Danilo havia, com algum alicate de pressão bastante forte, existente naquele laboratório, cortado a corrente da algema que prendia Milton, e este deu um pulo, parando em pé e visivelmente na defensiva, olhando para todos os lados, buscando saídas, armas, qualquer coisa com que se defender! O homem de jaleco disse, elevando só um pouco a voz:
— Calma, Milton, se quer continuar vivo, fica calmo e me escuta. Se você sair por aquela porta, os seguranças vão usar todos os aparelhos de choque deles em você, até o seu cérebro fritar.
Milton parou de buscar uma saída, e olhou para Danilo, ferozmente.
— Estamos do mesmo lado, pelo menos agora, no momento final, meu caro jogador de Tetris. Hum, bom jogo, o Tetris. Exige percepção de padrões, lógica…
— Por quê me soltou?
— Eu vou ligar a Armillary, e ter certeza que os caras não consigam entrar aqui antes de ela fazer o que Rubens e Gustaf queriam que ela fizesse, mas alguém tem que estar ali dentro dela e reposicionar aquele cabo solto que eu desengatei emergencialmente e por acaso, quando percebi que a máquina estava sendo reprogramada.
— Por quê você não faz isso agora? Eu não preciso estar ali dentro quando essa coisa ligar! Ligue o cabo, depois ligue a máquina.
— Um alarme vai tocar nas outras Armillarys assim que esta aqui for energizada novamente, e aposto que eles derrubam uma das outras para não perderem sua virtual imortalidade. Estou contando já com um pouco de sorte que nenhum outro operador esteja perto dos cabos internos quando ligarmos tudo aqui. Escute, honestamente, você já está morto mesmo, eles vão descartar você numa cova rasa como indigente, em alguma favela, de algum país miserável. Mas você tem a opção de dar sentido à tua morte, e pode me ajudar aqui, a… Salvar o mundo!
Como Milton ficasse apenas olhando para ele, ainda com fúria contida, Danilo então tentou outro caminho de convencimento, perguntando:
— Você tem filhos? Que tal agir por eles?
— Nunca… Nunca tive filhos…
— Deve haver pessoas que você gosta.
Milton fechou os olhos por um instante, e pensou em várias pessoas, inclusive em Rheny.
— Algumas.
— Então. Não tem mais volta pra gente, Milton. Você diz que tem certeza do que está acontecendo. Eu também. Li e agora entendo os cálculos. Só tem um jeito de fazer o mundo não desaparecer engolido por um abismo negro, é cumprir o programa que o Rubens e o louco genial do Gustaf deixaram.
O Doutor Danilo caminhou tranquilamente, enquanto falava, até a porta do laboratório, virou uma tranca, fechando-a, e passou o grande alicate que havia usado para liberar Steinberg por uma apara dupla que havia ali, travando ainda mais a entrada do laboratório. Neste instante alguém do lado de fora testou se conseguia abrir aquela porta, e, não conseguindo, começou a bater cada vez mais forte nela. Danilo agora dizia:
— Eu vou preparar os sistemas de apoio. Acho que desta vez não vai explodir, foi algo haver com os circuitos cinemáticos, como foram alinhados antes. Bem, quando eu disser, conecte este cabo naquela entrada vermelha ali dentro, consegue ver? Venha, dê a volta na Armillary, por aqui, assim. Tem uma parte aberta aqui, viu?
Entregando a ponta do cabo de força à Steingberg, cujos olhos avermelhados lacrimejavam (enquanto a porta do laboratório era chutada violentamente pelos seguranças, que gritavam sem parar), Danilo continuou:
— Entre e puxe a porta, vou fechar isso, a esfera precisa estar lacrada para funcionar.
— O que a Armillary faz? — Quis saber Milton.
— Bem… No fim, é uma espécie de, digamos, máquina do tempo. Antes que pergunte, jogador, — Milton achou curioso, mas Danilo não usou a palavra “jogador” em tom depreciativo, pelo contrário, pareceu mais uma saudação respeitosa. O físico prosseguia, dizendo: — e explicando bem grosseiramente, a Armillary vai… Voltar no tempo, até o momento em que ela foi acionada pela primeira vez. Só que ela vai se posicionar logo depois da frente de onda que curva o espaço-tempo gerada pelo primeiro disparo. Então ela vai disparar novamente. A frente de onda do primeiro disparo, se Gustaf estiver certo, e geralmente ele está, deve ser anulada por este disparo de onda que vamos iniciar agora.
— Eles vão te matar também. — Murmurou Steinberg, para o físico, apontando com a cabeça a porta do laboratório, que parecia estar detendo uma turba furiosa do lado de fora.
— Não vão não, depois que Rubens sumiu, e que Gustaf morreu, eu sou o único que entende a matemática desse experimento, e que eles têm aqui no Brasil.
— Eles sempre podem trazer gente de fora. — Murmurou Steinberg, e, até um tanto timidamente, o jogador de Tetris, o Zé ninguém, o quase louco, o homem gentil e solitário chamado Milton Steinberg, entrou na Armillary, puxando atrás de si a parte da esfera que o fechou dentro da máquina.
— Ocorre, jogador, que o meu risco é um pouquinho menor que o seu. — Enquanto falava, o sujeito de jaleco branco começou a agir, acionando chaves, premindo botões, e digitando em teclados de computadores espalhados em semicírculo em frente à Armillary. O zumbido dos equipamentos elétricos e eletrônicos crescendo rapidamente. — E, Milton, eu tenho filhos. A gerência pode tentar algo contra eles, ou nada pode acontecer se as frentes de onda se anularem, e este projeto for considerado um fracasso… Na verdade não faço ideia do que vem depois. Só sei que se ficar como está, tudo morre.
E Danilo parou em frente ao banco de terminais que controlava a esfera, como se tivesse feito tudo que podia, e ficou olhando para Milton, lá dentro da máquina. O rosto do físico (cujos olhos pareciam, agora, muito cansados) sendo iluminado pelo fraco brilho dos monitores, já que as luzes do laboratório caiam drasticamente, enquanto toda a corrente elétrica estava sendo revertida para a Armillary. Lá dentro, Milton posicionou a ponta do cabo de força bem próxima ao respectivo conector na máquina. Era tudo coberto por grossa borracha. Eletrocutado, pelo menos, ele não morreria.
A porta do laboratório foi arrebentada para dentro, como se uma besta grande e furiosa a tivesse abalroado, no exato instante em que Danilo gritou para Steinberg:
— Agora!
Milton sorriu, com lágrimas nos olhos, triste pela vida que ele não teria, e feliz pelas que salvaria. Murmurou, quase inaudivelmente:
— Padrão, já vi essa cena antes.
Ligou o cabo, e sumiu, engolido por uma explosão.
Deus Ex Machina
A Armillary, Milton, e tudo o que estava muito próximo dela, claro, deixaram de existir, pelo menos na conformação bariônica em que estavam organizados. Ou seja, seus corpos foram desintegrados. No entanto, a informação que aqueles bárions codificavam, não.
Um dos objetivos da Armillary era, precisamente, encontrar o fio condutor do processamento de informações do Universo, e ela era dotada de recursos para tornar a si mesma, ao menos por instantes, parte desta incomensuravelmente grande massa de dados auto-processantes, que era o espaço-tempo e seu conteúdo, em um nível logo abaixo do quântico. Assim, mesmo que a máquina, e tudo que ela continha, agora fossem apenas dados que gerenciavam a si mesmos (como, a propósito, o Cosmos inteiro faz, em toda a sua gloriosa existência multifacetada), ainda assim a máquina nascida da humanidade existia, funcionava, e seguia sua programação. No entanto ela agora não era mais somente a Armillary, ela agora era, também, Milton Steinberg.
Confusa e apavorada, no entanto, a informação inteira do que havia sido, fisicamente, o homem chamado Milton Steinberg entendeu a Armillary. Ele entendeu o que ela era, o que fazia, e o que ela se tornou, e o que a máquina fez ele se tornar, e, pendendo sobre o abismo da Existência, estirado até pouco mais de quarenta bilhões de anos-luz, Milton gritou, sem controle, por espanto e por terror mesmo! E seu grito reverberou em microondas pelo Universo. Tentou agarrar algo, e neutrinos fugidios se espalharam, onde deveriam ser as mãos do homem, atravessando gás e planetas desgarrados na escuridão entre as estrelas, sem conseguir tocar nada!
A Eternidade reverberou em sua mente, e Milton se sentiu destroçado por ela, dado que ela era inconcebível, visto ela ser incompreensível, esmagadora e aterradora! No entanto havia algo em que se agarrar, havia a Armillary, e sua simples programação. E com esta programação, Steinberg possuía um momento na vastidão do tempo ao qual se apegar, feito uma bóia em que se agarrar em um mar vasto e colericamente tempestuoso. O momento ao qual ele se segurava, então, brilhou na treva estrondosa e reverberantemente silenciosa de sons, mas gritante de eletromagnetismos. Este momento era exatamente o instante em que a esfera viajante do tempo e espaço pulsou, tornado-se real, sendo projetada novamente, como tudo mais, das bordas do Universo para o mundo “real”. Mas logo depois a Armillary e Milton voltaram a mergulhar na Eternidade, feito lágrimas dissolvidas no dilúvio informacional que era a substância nevrálgica da Existência.
No entanto, quando esteve “real” de novo, a Armillary que carregava Milton, sem seu circuito cinemático compensando, e devido ao movimento da Terra em torno do Sol, do próprio Sol em torno do Centro da Galáxia, e desta em relação ao Universo, acabou ressurgindo em um ponto onde a Terra ainda não havia chegado, a bilhões de quilômetros de distância do lugar, na superfície terrestre, de onde a Armillary partiu. Sim, é verdade que a esfera saltou para um momento passado, mas ainda assim, neste instante alvo, nosso planeta ainda estava por chegar ali.
A frente de onda do primeiro disparo da Armillary, tão veloz quanto a luz, chegaria primeiro, mas nosso mundo azul ainda levaria cerca de um dia para surgir no horizonte infinito e passar por onde a Armillary estava agora.
Portanto, de fato, e exatamente como fora previsto por Danilo, à partir dos cálculos de Gustaf, a programação da máquina viajante do tempo a fez surgir em um ponto depois da frente de onda de seu disparo original, aquele disparo que deu ao espaço-tempo próximo da Terra a forma de um anel, ou pneu, fechado em si mesmo, repetindo-se eternamente. A frente de onda original, no entanto, não era detida por este anel, e continuava a se expandir, a cerca de trezentos mil quilômetros por segundo, curvando partes cada vez maiores do Universo. Logo o centro da esfera invisível, cuja superfície era delineada por esta frente de onda, viraria um buraco negro que continuaria se expandindo, à velocidade da luz, Universo afora.
No entanto, no caminho desta onda destruidora, havia uma máquina. Uma máquina e um homem que tentava urrar de dor enquanto seus pulmões queimavam, seus tecidos esboroavam, seus líquidos cristalizavam-se e evaporavam em direção ao vazio, e ele, mais sozinho do que qualquer humano jamais esteve, morria no vácuo e no gélido zero absoluto do espaço profundo, muito longe de seu planeta mãe.
A Armillary, flutuando no vazio interestelar, disparou novamente. O primeiro disparo, o que causou todo o problema, havia sido para frente no tempo, este, inversamente, foi para trás. Era preciso que fosse assim, e que o disparo fosse o mais forte possível, para que a frente de onda que ele causaria anulasse a primeira onda, destrutiva. A máquina estava, agora, desalinhada com as outras Armillarys e, portanto, este acionamento derradeiro foi inofensivo ao espaço-tempo, mas a fez saltar ferozmente em direção ao passado, consumindo até a última gota de energia que dispunha. Isto, de fato, gerou uma brutal ondulação inversa, que foi normalizando o espaço-tempo em torno do Sistema Solar, impediu a formação do buraco negro, e salvou a humanidade, que nem se deu conta disso.
Os bárions que constituíam a máquina e seu ocupante mais uma vez se foram vertidos em direção à informação primordial que continham, e novamente os deuses, que por ventura existam, puderam ouvir o grito desesperado de microondas de Steinberg, enquanto ele resvalava pelos éons, caindo, caindo, caindo no abismo do eterno, e além dele, até o princípio do princípio, até o átomo original, até o tempo antes do tempo, quando o Cosmos era apenas uma promessa, e onde tudo estava, para nós ao menos, estático, e em tão perfeito equilíbrio que nada (um nada cuja a simples ideia dele, a menor percepção profunda deste vazio, dilaceraria qualquer consciência, por mais rude e simplória que fosse) existia.
Se houvesse o tempo, então, ele inteiro se passaria para sempre, e ainda o que era nada continuaria sendo nada, sem fim, perfeito, cristalinamente equilibrado na ausência de absolutamente tudo. Nada.
No entanto houve uma comoção.
Houve a máquina.
Em um ponto infinitesimal, que foi tudo que ela conseguiu realizar de si mesma diante de tanto e tão brutal nada, a Armillary e seu ocupante morto surgiram, vindas do que um dia seria o futuro. Ainda assim eles só conseguiram dar alguma substância a si mesmos por conta de um vasto número de máquinas parecidas (vindas de outros povos inteligentes, também do futuro, de um sem número de outros mundos alienígenas e de mundos paralelos) estarem se materializando ali, ao mesmo tempo, no ponto focal do tempo, junto com a Armillary enviada pela humanidade.
Seria tolice imaginar que só os terrestres, em seu momento no tempo que ainda viria, criariam máquinas como aquela. De todos os pontos do futuro Universo elas chegavam, cada uma reforçada pela seguinte.
Mas, no fim, havia ali uma máquina e uma consciência inteligente, esmagadas mas ativas, em um ponto menor que a cabeça de um alfinete.
Foi como o riscar de um fósforo no centro de trilhões, e trilhões, e trilhões de toneladas de explosivo, no mínimo. O choque no perfeito nada com a imperfeita matéria da máquina e do homem sugou com força tão colossal a informação da fronteira até ali, que fez dois infinitos se lançarem um contra o outro, feito titãs, e colidirem seus ombros maiores que o espaço-tempo, destroçando com violência jamais repetida por toda a Eternidade aquilo que era o nada, e formando um tudo que, ainda inocente das novas regras, apenas foi, no sentido de se tornar, um volume imensamente maior que o que deveria ser a princípio, e continuou sua expansão daí, quando s novas regras fizeram sentido.
Mas este titânico ribombar não formou apenas o espaço-tempo e os embriões de matérias e energias. Se espaço-tempo está para o papel, e um desenho feito neste papel representa as matérias/energias, então o Choque Primordial criou também a experiência estética de o desenho ser visto. E fez isso a partir do impacto do nada perfeito com a imperfeita informação de tudo que Milton Steinberg (junto com todos os outros viajantes que ali aportaram) foi, sonhou, sofreu, amou, odiou, conquistou e perdeu.
No primeiro de todos os instantes da Existência, então, surgiram o espaço-tempo, suas representações em matérias e energias, e a fímbria consciente da informação auto-gerida. A “constante consciente” do Cosmos.
Feito o que ocorre com qualquer neonato, havia no Universo recém-nascido um lugar, um algo, e também a promessa sólida de um alguém.
Mas após a quase infinitamente vasta Luz da Colisão Primordial, houve escuridão. Por centenas de milhões de anos houve treva, por tempo o suficiente para que, por exemplo, se ela já existisse então, toda a história humana surgisse, crescesse e para sempre fosse esquecida. Era como se uma pálida, mas aterradora sombra do nada perfeito que havia antes de tudo voltasse a pairar pelo Universo. Para a semente consciente que remanesceu do nascimento do Cosmos, era como ser trancada em uma caixa e enterrada no mais profundo inferno tenebroso, gelado e completamente silencioso e escuro.
Pelo tempo de uma existência humana essa consciência foi feliz, ao perceber que estava viva, mas já ao fim desse tempo quase desprezível da Existência, ela como que corria pela treva sem fim que era seu mundo, gritando e gritando, com uma solidão cada vez mais apavorante, e com uma percepção cada vez mais aguda de que havia sido enterrada viva!
No primeiro milhão de anos ela viveu em amarga tristeza, sendo ela própria os colapsos de funções de onda que alimentavam o surgimento do que seria um dia a matéria. Era pouco, mas era algo que ela fazia.
Na primeira dezena de milhão de anos, ela chorou, consumida pela percepção de que nunca havia algo além da ausência de tudo para ver, tocar ou sentir. Por eras incontáveis, então, ela encolheu, dissipada pelo Universo, mergulhada na paranóia e no desejo de jamais ter sido.
Após a primeira centena de milhão de anos, a “constante consciente” do Universo se tornou apenas uma espécie de engrenagem, funcionando no automático, completamente louca, nada havia sobrado de sofisticado nela, apenas o abismo de algo que foi e sentiu, e que o isolamento infinito havia feito ruir sob seu peso. Sua psiquê, um dia vasta, agora estava desintegrada. Não havia mais nada dela.
Ou havia? Mais de duas centenas de milhões de anos depois, quando a bruma morna e intermediaria que preenchia o espaço estava pronta, enfim, e começava a colapsar nas primeiras estrelas do Universo, e a escuridão, que havia parecido sem fim, cedia agora a algo novo e cheio de possibilidades, a fagulha microscópica que havia sobrado da consciência primeva, tão pequenina e ainda por cima dissolvida e em expansão por e com todo o resto do Cosmos, quase perdida para sempre, sentiu e viu a ignição de novas luzes, e de um novo conceito.
Esperança.
Partes de si estavam mudando, pois assim era a Existência, mutante, mesmo que levando eras, sempre renovando seus terrores, mas também suas maravilhas! Era possível sentir, e com isso, pensar sobre isso, sobre sentir… Esperança. E então a esperança era assim, incrível, fantástica, possível!
E assim tudo cresceu, por bilhões de anos, o Universo restaurou sua fagulha perceptiva, e foi tentando, testando, mudando, chorando com as derrotas, maravilhando-se com as vitórias, amadurecendo, concentrando percepções em nebulosas, depois tornando essas nuvens em sóis, e, durante um rompante criativo, transformando discos de elementos primordiais em planetas, tão diminutos, mas cada vez mais ricos em novos recursos que eram gerados pelo espocar de supernovas! O artista farejava um caminho estético por ali. Planetas, quem diria, minúsculos pedaços de algo, eram a esperança de se chegar, pelo caminho sutil, às grandes coisas. Era o Universo fazendo e sentindo a si mesmo como uma pintura, como arte, como poesia em ultravioleta e raios gama, como esculturas de plasma estelar e sinfonias de abismos negros.
Ideias não surgem do nada, elas são a constante convulsão e mistura de experiências e novos dados, até mesmo para o Cosmos. Então não foi senão depois de uma planície viva e vigorosa quase sem fim, de tempo e espaço, que o Cosmos percebeu um outro conceito novo.
Perspectiva.
O Cosmos possuía uma, mas assim como ele próprio se estendia em múltiplas versões de si mesmo pelo Multiverso afora, sua perspectiva única, mesmo que privilegiada, não era e nem deveria ser unitária.
A vida, então, naturalmente, explodiu entre as estrelas, como um dom que uma passa a outra ao menor dos toques. E um dia, praticamente no instante presente, dada a percepção de mais de uma dezena de bilhão de anos que possuí o nosso Universo, ele representou a si mesmo em seres capazes de ostentar versões de sua “constante consciente” e de olhar a imensidão, e de se maravilhar, de questionar e querer saber, de analisar e criticar, de viver para explorar, criar e compreender.
Por muitos e vastos lugares no seio do Cosmos, então, houve consciência. Imperfeita, cruel muita vezes, mas consciência. Cada uma deste sem fim de criaturas sensíveis sendo e contendo uma fagulha do todo, conectada eternamente ao Universo. Cada um de nós, seres vivos e sensíveis, inteligentes e perceptivos, sendo um fractal que contém na sua mais profunda natureza a “constante consciente” do Universo.
O Cosmos viveu então um sem fim de histórias, embarcando junto com as extensões de sua inteligência, que são os habitantes conscientes ou não dos Universos que o compõem, em dramas que permearam a Existência e deram a ela tanta substância quanto uma boa trama, com sentimentos e criatividade, dá corpo a um bom livro.
E livros têm revezes, dores e sofrimento, mas também possuem em si amor, luz, glória e superação. O Cosmos não era indiferente, ele era apenas tão parte de cada lágrima das criaturas que nele habitam, e de cada riso exultante delas quanto elas próprias o são. Ele não observava, ele Éra cada suspiro de morte e cada grito de paixão. O Cosmos, é preciso citar, eram todas as histórias que foram, que são, e que serão, em uma sinfonia fantástica, soberba, incomparável de Amor e Fúria!
Algumas dessas histórias que o Universo viveu puderam ser vistas na Terra, outras não, mas para efeito desta nossa história, que vivemos juntos até aqui, autor, leitores e Milton, precisamos focar na fagulha dessa “constante consciente” que era e que dava atenção à Terra, neste nosso insubstituível e pequenino pedacinho da vastidão cósmica.
Aqui, como em outros mundos, a Mãe de todas as consciências, criada no Choque Primordial, também estava presente, e viu o mundo azul, parte de si mesma, se erigir da poeira, ganhar mares, céus e vida, e depois fulgir com a estrela da consciência humana. Aqui, como em outros mundos vivos e sensíveis do Cosmos, este mesmo mundo e suas criaturas, e o Cosmos que havia nelas, aprendeu lentamente o que era ser, existir, sentir, viver, respirar, doer, chorar, morrer, amar, valorizar, cuidar, superar a si mesmo, e fazer algo com paixão por todos e por tudo mais de bom que existe, legar algo de produtivo e construtivo.
No Sistema Solar, como por todo lado, mesmo quando a humanidade começava a ter ciência do infinito, o Cosmos ainda não possuía uma interface completa com seus fragmentos inteligentes, no entanto a “constante consciente” do Universo lá estava, claro, e os ouvia, sentia, era com eles, numa comunhão, novamente é precisa usar de citação, que só a sílaba e o som conhecem.
E, um dia, que corresponde lá ao começo desta nossa história, foi aqui, na Terra, que a consciência primeva percebeu, de repente, a própria realidade vibrando, confusa, e viu a anomalia se criar, forçando o espaço-tempo a uma curiosa configuração, onde ele se dobrava sobre si mesmo sem parar, em um rodopiar eterno.
A “constante consciente” do Universo percebeu então que esta anomalia, e muitas outras que estavam por vir, ocorrendo em outros mundos além da Terra, é que formariam o ponto onde surgiu a matéria enviada ao nada perfeito para criar o tudo, e com isso o Cosmos. Mas isso criaria também o seu doloroso, quase infindável e insuportável sofrimento no início da Existência, durante os primeiros duzentos milhões de horrendos anos de trevas e solidão. Só de perceber aquilo ela, a percepção consciente do Cosmos, horrorizou-se quase ao nível de enlouquecer novamente. Agora ela vivia em meio ao movimento, à Criação, e não conseguiria ser, novamente, enterrada viva em eras de pura treva e morte! Não, nunca mais! Nunca mais! Nunca!
Ela pensou em impedir aquilo! Se impedisse, ela própria não existiria, mas também não teria enlouquecido, não teria morrido horrendamente, pavorosamente enterrada viva! Por duzentos milhões de anos! Lembrava quase nada do que havia sido antes desse tempo, mas armazenava, em um dos dons herdados da humanidade de Steinberg, a dor que a havia dilacerado. Dor não se esquece, se abranda, mas não se esquece. E não, não poderia suportar saber que pôde evitar aqui e não o fez, era melhor ela explodir em novas os sóis de cada civilização que fez, faz ou fará uma máquina viajante no espaço-tempo! Matá-las, todas as raças, consumir a inteligência, tão duramente conquistada e ainda em seus primeiros e vacilantes passos, em chamas colossais! Manchar o firmamento com sangue, mas sufocar as trevas! Qualquer coisa, mesmo o assassínio universal, era melhor que duzentos milhões de anos de trevas sem fim!
Era melhor assim. Era bom que não houvesse nada dela para definhar na sufocante treva. E esta sua simples decisão fez o núcleo de estrelas envelhecer mais rapidamente, aproximando-as de uma morte selvagem e aniquiladora. Uma dessas estrelas era o Sol da Terra, no instante em que Milton Steinberg percebia, pela primeira vez, as ondas em seu café. Ninguém sobre a face do planeta azul sabia, mas cada um deles, estivessem em iates luxuosos ou palafitas, estivessem mortalmente doentes com o consumo, ou simplesmente felizes com a mais verdadeira amizade, todos estavam prestes a vaporizar, como se jamais tivessem existido, relegando ao esquecimento sem fim tudo o que achavam que possuía valor. Estavam já, visto o horror que o Cosmos sentia, todos mortos, enterrados e esquecidos para sempre.
Mas… Histórias.
A “constante consciente” do Cosmos não podia destruir histórias. Para ela isso era tão horrendo quanto seria horrendo para os bons entre nós destruir uma criança, ou uma obra de arte. Imagine-se prestes a queimar as obras de Mozart, ou de Chopin, Johann Baptist Strauss ou a Mona Lisa, imagine-se rasgando os textos que considera sagrados antes que outros, no mundo, pudessem apreciá-los. Pois era assim que o Cosmos se sentia, quando, enfim, os núcleos das estrelas de cem milhões de milhões de mundos voltaram ao normal. Não haveria novas, não haveria chamas.
O Cosmos havia, subitamente, em sua escala, amadurecido.
Não iria interferir. Na verdade, pelo contrário, a “constante consciente” do Universo ajudou. Sua dor era sua, e iria viver com ela, assim como sentia e vivia a dor e o amor de cada parte sua, de cada humano sobre a Terra, e de cada ser sobre um oceano vasto de outros mundos.
O Cosmos tornou-se mãe e pai de si mesmo, zelando, com sua consciência e lógica com o tamanho e a complexidade da Existência, por seu destino. Iria sofrer tudo que tivesse que sofrer, mas seria corajosa, e daria à luz a Criação!
Assim, houvesse o que houvesse, as coincidências guiavam, sincronicamente, Milton ao seu destino, o qual, no fundo de sua essência, ele próprio ansiava em cumprir. Então, enquanto era observado pela Eternidade, seus atos foram cercados pelos eventos aleatórios da vida.
Assim, foi só por acaso que Milton Steinberg nunca conseguiu se sentir fazendo parte de nada, tudo era insubstancial demais, como se sua alma ansiasse por algo mais universal, como se ele jamais se sentisse em casa estando limitado somente à Terra. Esse espírito era essencial para as mentes que formariam a consciência do Universo, mas surgiu nele por obra do acaso, sim.
Foi por acaso que Milton tinha as exatas condições biológicas e energéticas para captar e perceber a onda da máquina Armillary, que disparou em um subsolo, na Urca, Rio de Janeiro, e aprisionou o mundo.
Foi por acaso que o mesmo raio de luz e os mesmos eventos reforçaram em Milton a consciência do que estava acontecendo, de que o tempo havia se erguido, feito imensa montanha, e se curvado sobre si mesmo.
Foi por acaso que Rubens conseguiu encontrar Steinberg, preso pelos seguranças da via férrea, e ter forças para resistir a uma arma de choque, e pôr abaixo um sujeito mais forte do que o físico, e treinado em lutas.
Foi mera obra do acaso o encontro de Milton com seu velho e destruído professor, que aspirava se superar, evento que lhe serviu de oásis em meio a tanta loucura, e o fez ter mais esperança, por um momento que fosse.
Foi o acaso que fez Rheny encontrar com Steinberg para primeiro lhe dar a vontade de seguir em frente, e depois ajudá-lo de fato, pessoalmente, a seguir adiante com o destino que lhe aguardava, esbarrando com ele na portaria do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas na Urca. Sim, o rumo poderia ter sido outro, mas havia a anomalia, e, como foi dito, no fundo de si, Milton desejava fazer parte de algo maior que ele próprio.
Foi por acaso que o inconsciente Milton, perto do fim, entendeu que se a frente de onda da Armillary não fosse revertida, a Terra e talvez todo aquele Universo se tornariam um vasto buraco negro.
Mas estes, entre muitos outros acasos, tiveram o Cosmos conspirando por trás deles. De cada um deles. Corajosamente criando os eventos que o fariam, a ele próprio, sofrer o pior dos martírios e morrer por centenas de milhões de anos. Mas que dariam vida à toda a esperança, a toda a perspectiva, à consciência e às histórias que existem hoje, ruins, mas também as boas.
Assim, a Armillary, e todas as suas irmãs pelo Cosmos, partiram mais uma vez para antes do começo do tempo, e, novamente, no início de tudo, quando o nada encontrou algo, e a simetria foi quebrada, a nossa Luz se fez, radiante!
Epílogo, a Vida que Segue
O velho professor de Milton não pode agradecer. Passou no concurso para o Tribunal de Justiça, e foi ele próprio notícia de jornal. Era mais um caso de coragem e tenacidade, saindo da mais absoluta miséria para se tornar um “homem reintegrado ao mercado de trabalho”. O idoso sabia que o trabalho era só uma ferramenta para algo de superior importância, mas a imprensa só conseguia alcançar a primeira parte, e o antigo mestre dava de ombros, e dava entrevistas também, era bom incentivar as pessoas a aprender mais.
Claro que o velho homem falou de Milton Steinberg, o sujeito meio louco que acabou morto em uma explosão jamais esclarecida, em um prédio federal na Urca. Sem Milton e seu “pequeno grande gesto” ao lhe emprestar recursos para estudar, explicou ao repórter o novo funcionário da Justiça, ele talvez não tivesse conseguido. Não conseguiria jamais ver Steinberg como um criminoso.
As entrevistas pararam, mas uma jovem, também concursada do Tribunal de Justiça, veio ter com o professor, falar que também conheceu Milton, e que acreditava igualmente na inocência do sujeito. O nome da moça, claro, era Rheny, e ela e o velho professor se tornaram grandes amigos, amigos para uma vida toda, sendo ele padrinho de seu casamento com um homem extremamente inteligente e gentil, alguns anos depois.
O próprio professor viveu bastante, e tornou-se, quando ainda era ativo, importante no seu trabalho, um juiz um dia, que foi figura destacada da expulsão sem probabilidade de retorno (a partir de uma profunda e verdadeira reforma política, cultural e social) da velha oligarquia corrupta e tenebrosa que parasitou o governo brasileiro, disfarçando-se ora desta, ora daquela legenda, e atrasando o crescimento do país até o início do século XXI. Em verdade o professor voltou aos noticiários quando, em mais uma convulsão social, arriscou a carreira, e talvez a própria vida, junto com sua amiga, a advogada e representante do Ministério Público Rheny Alencar Roussel, surgindo de mãos dadas com ela em meio ao Povo Brasileiro, que enfrentava novamente saraivadas de balas de borracha, bombas de gás e brutais espancamentos, enquanto enchia mais uma vez as ruas, manifestando-se, exigindo justiça e respeito de seus governantes, que nada mais eram que seus servidores, jamais o contrário!
Um dia, o Brasil conseguiu. O mundo conseguiu.
E, enquanto viveu, o velho professor passava, às vezes, pelo bar na Carioca, no Rio de Janeiro, onde Milton havia explicado a ele que as coisas estavam emperradas e precisavam mudar, voltar a fluir.
Tirando um tempo de seu dia, sentando-se no bar, o mestre pedia uma xícara de café, e ficava ali, sorvendo sem pressa a saborosa bebida quente, e vendo as pessoas, em suas histórias, em seu ir e vir. Olhava em volta e percebia, a cada ano, um povo que superava um pouco mais seu início humilde e difícil, e que abraçava a ética. Uma gente que deixava de cultuar o consumo e o dogma fantasmagórico e cruel do status, e que começava a voltar-se mais e mais para o conhecimento, para a simplicidade e para a sabedoria, e, portanto, para a verdadeira paz.
Costumava ser nesta altura de seus pensamentos, então, que o idoso mestre erguia discretamente a sua xícara de café, sorria, e murmurava, com sua voz forte, cheia de dignidade e sabedoria, mas por isso mesmo tão gentil:
— Obrigado, Milton.
FIM
Compre Impresso: Sob o Olhar da Eternidade
Mas, antes, comente aqui embaixo, participe! A partir de suas opiniões, eu posso construir mais e melhores histórias para você.
Conheça outras Histórias de Wagner RMS
Na mais absoluta profundidade da dimensão espacial, que aparentemente é plana e sem nenhuma ruptura, ocorrem os mais terríveis frenesis (turbulências) e isso impede uma conciliação amigável entre a Relatividade e a Mecânica Quântica.
Wikipédia